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Como a Foxconn fabrica iPads e iPhones no Brasil

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02092012

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Como a Foxconn fabrica iPads e iPhones no Brasil
Revelamos como funciona a única fábrica de iPads fora da China e por que a renúncia fiscal para atrair a montadora não gerou sequer um real de economia para o consumido

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Fábrica da Foxconn em Jundiaí: A produção não chega a 30% da capacidade instalada nos galpões da Foxconn II

São Paulo - O dia ainda está escuro. São 5h40 quando o comboio de 42 ônibus da transportadora Brasiliense desembarca 1,3 mil trabalhadores na fábrica da Foxconn, localizada no quilômetro 66 da Rodovia Anhanguera, em São Paulo. Outros 700 funcionários espremem-se em vários carros com mais de 20 anos de uso pelas ruelas lamacentas do Engordadouro, o novo bairro operário da cidade de Jundiaí, a 57 quilômetros da capital. Em menos de 20 minutos, o dia clareia, o cheiro de diesel se dissipa no ar e o exército de 2 mil ex-vendedores, comerciários e empregadas domésticas estará uniformizado, operando a primeira fábrica de iPhones e iPads construída fora da China.

Aos 32 anos, a sorocabana Márcia trocou o emprego, sem registro, em uma operadora de telemarketing por seu primeiro contrato com carteira assinada, para desembalar e polir componentes usados no iPad. Das 6h, início do primeiro turno na fábrica, até às 15h, Márcia e outras centenas de operadores terão montado 600 iPads, que sairão da Foxconn com o selo “indústria brasileira” aplicado em seus cases de alumínio. A menos de 10 metros dali, no galpão B, outro grupo de operadores terá montado 900 iPhones até o fim de seu turno.

A produção não chega a 30% da capacidade instalada nos galpões da Foxconn II. Ali, ao menos quatro máquinas importadas do Japão e de Taiwan para integrar os componentes dos iGadgets poderiam operar até 20 horas por dia, um ritmo bem mais acelerado do que o atual. Segundo Evandro dos Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Jundiaí, a fábrica está em plena expansão.

“A produção de iPhones começou em outubro do ano passado e a de iPads em maio de 2012. Muitas máquinas ainda estão sendo instaladas e as contratações são feitas de forma acelerada”, diz Santos. O sindicalista não conhece o interior dos galpões da Foxconn II. “A empresa nunca nos deu acesso às linhas de produção”, afirma Santos.

Como acontece em todas as fábricas da Foxconn no mundo, o acesso é restrito e o esforço para preservar os segredos industriais é imenso. Em Jundiaí, quem trabalha no Galpão A não pode frequentar o B e cada componente é embalado em plásticos opacos, de forma que um funcionário nunca sabe exatamente o que está transportando.

“Os estoquistas e conferentes trabalham apenas com materiais lacrados. Só quem está na linha de montagem sabe o que há em cada caixa que transportamos”, afirma Maurício, um jovem de 21 anos que trabalha no setor de expedição.

Toda a movimentação na fábrica, da entrada dos funcionários à circulação dos caminhões de distribuição de peças, é acompanhada por uma dezena de seguranças. Na porta da Foxconn II, quatro viaturas com oito homens armados protegem a operação. O momento mais tenso do trabalho dos vigilantes é o deslocamento de caminhões da porta da fábrica para os galpões da Apple, a seis quilômetros de distância, onde são armazenados os iPads e os iPhones que serão enviados para o varejo brasileiro e da Argentina, país que iniciou a importação de iGadgets made in Jundiaí.

Antes de cada veículo deixar a fábrica, uma viatura segue à frente, para avaliar as condições da estrada. Após a partida do caminhão, outro carro com homens armados o escolta. Apesar do alto valor de um carregamento de iPads e iPhones, não há registro de ocorrências na estrada. O único incidente denunciado pela Foxconn II à polícia desde o início de sua operação, há um ano, foi o furto de sete iPads de seu galpão A, em abril passado. Apesar das 400 câmeras de vigilância, a indústria negou-se a ceder imagens do circuito interno aos investigadores, o que levou o delegado Antonio Seleguim Junior, do 2º DP de Jundiaí, a queixar-se publicamente da má vontade da fábrica com sua investigação.

Imposto baixo, preço alto - Segredos e crises com funcionários são marcas da Foxconn em todo o mundo. Em Jundiaí não foi diferente, pelo menos no início da operação. “Houve falta de água, alimentação deficiente e transporte insatisfatório”, diz o sindicalista Evandro Santos. Apesar das queixas dos trabalhadores, os quase 3 mil empregos gerados, com salário médio de 1150 reais, são, até agora, a única parte palpável do festejado acordo fechado em Pequim, no ano de 2011, entre a presidente Dilma Rousseff e Terry Goe, o fundador da Foxconn.

Único porta-voz da empresa, que criou nos anos 80, em Taiwan, Goe tornou-se conhecido no mundo todo, em 2009, quando a Foxconn foi acusada de exploração dos operários na China, que resultou em 16 suicídios de trabalhadores. Em meio à crise, Goe decidiu que era hora de falar. Mas nas poucas entrevistas que concedeu, em nada contribuiu para melhorar a imagem de sua empresa. Goe já comparou a força de trabalho da Foxconn a “1 milhão de animais”, que lhe causam “dores de cabeça”. Sobrou até para os trabalhadores da empresa no Brasil, uma turma que “ganha muito e trabalha pouco”.

Quando a presidente Dilma lhe prometeu pesados incentivos fiscais, como os que permitem fabricar iPads no Brasil com desconto de 80% em impostos, na comparação com um tablet importado, Goe mudou o discurso. Em Pequim, disse que investiria 12 bilhões de dólares até 2015 no Brasil, geraria 100 mil empregos diretos, sendo 20 mil postos para engenheiros, iria transferir tecnologia e abrir no país sua primeira fábrica de telas de cristal líquido das Américas. O ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação Aloízio Mercadante chegou a anunciar que tablets made in Brazil chegariam com preços 30% menores para o consumidor final.

Afinal, um iPad Wi-Fi de 16 GB vendido a 1549 reais no varejo brasileiro recolhe mais de 50% de seu preço final em impostos. O mesmo produto, feito no Brasil sob regras fiscais especiais (ver tabela ao lado), soma cerca de 12% em tributos. Na matemática de Mercadante, mesmo incluindo custos adicionais de fabricar eletrônicos no Brasil, onde a escala de produção é muito menor que na Ásia, seria possível reduzir o preço dos iPads em 30%.

Na avaliação de Hugo Valério, diretor da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), enquanto a competição no setor não for acirrada, os preços se manterão altos. “Quando um fabricante de notebooks recebe incentivos, ele repassa 100% dos ganhos ao consumidor, pois está num mercado muito competitivo”, diz Valério. “Mas se a empresa atua num segmento em que é líder, pode simplesmente transformar os ganhos fiscais em margem de lucro.”

Valério classifica como “exageradas” as promessas de Mercadante. “Toda a indústria nacional de eletrônicos emprega hoje 120 mil pessoas. É improvável que uma única empresa gere, subitamente, 100 mil novos empregos”, diz.

Para o secretário-executivo do ministério da Ciência e Tecnologia, Virgílio Almeida, é precipitado considerar o acordo com a Foxconn um fracasso. Segundo Almeida, os incentivos fiscais são temporários e, nos próximos anos, a Foxconn será obrigada a aumentar a presença de itens nacionais nos iPads e iPhones que produz aqui.

“Em 2015, até 50% dos componentes devem ter fabricação nacional, o que aquecerá todo o setor”, diz Almeida. Ele acredita que o nível de qualidade exigido pela Apple de seus fornecedores sofisticará a indústria brasileira. “As fábricas nacionais deverão produzir memória flash, circuitos e telas sensíveis nos padrões mais exigentes do mundo, comprar o maquinário mais moderno e treinar sua mão de obra”, diz Almeida.

O ponto mais sensível do acordo entre a Foxconn e o governo é a fabricação de telas sensíveis. A fabricante chinesa exige incentivos fiscais do governo federal, menor ICMS do Estado em que se instalar e impõe à prefeitura da cidade onde irá construir a fábrica condições como cessão do terreno, desconto no IPTU e ajuda para tratar o lixo tóxico gerado por esse tipo de operação. Além disso, a Foxconn quer um parceiro brasileiro para arcar com 60% dos investimentos, estimados em 4 bilhões de dólares. Outros 30% viriam de um empréstimo do BNDES. À Foxconn, caberiam 10% dos investimentos e a transferência de sua tecnologia.

Por mais excessivas que pareçam as exigências da Foxconn, esta é a parte mais simples do acordo. O ponto mais controverso é a decisão sobre que tipo de tela será feita no país. O BNDES diz que só libera o dinheiro se a Foxconn concordar em fabricar telas OLED, a tecnologia mais avançada nessa área. A empresa, porém, prefere produzir no Brasil telas de LCD/LED. As telas OLED ou AMOLED formam imagens emitindo luz própria e, por isso, dispensam a retroiluminação usada em telas de LCD convencionais. Sem retroiluminação, as telas OLED são mais finas, leves e de melhor resolução.

Embora a produção de telas OLED possa se tornar barata no futuro, ela ainda é muito cara quando fabricada em tamanhos maiores. Por isso, quase não há televisores e computadores com tela OLED. Isso explicaria a opção da Foxconn pela produção de telas LCD/LED no Brasil. Mas a empresa pode ter outros motivos para não ter pressa de iniciar a fabricação no país. Com a desaceleração da economia, a Foxconn pode simplesmente ter concluído que este não é o momento mais apropriado para construir sua sexta unidade no Brasil. Além da Foxconn II e da unidade de armazenamento Apple, na Anhanguera, a empresa mantém uma fábrica de peças para notebooks Dell na rodovia dos Bandeirantes, também em Jundiaí, uma integradora de computadores em Manaus e uma fábrica de peças para celulares, em Itaquaquecetuba, na região metropolitana de São Paulo.

Juntas, todas elas não somam dez mil empregos. Para cumprir a promessa feita por Dilma e Terry Goe na China, faltam ainda 90 mil postos de trabalho. Ao que tudo indica, trabalhadores como Márcia, que esperam sua primeira oportunidade na indústria, vão precisar de paciência oriental para colocar um crachá da Foxconn no bolso.

Fonte:
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